Se pudesse

Se pudesse, te diria. Se pudesse. Por escrito, se pudesse. Na entonação da voz, a vírgula é uma pausa, não tem desenho. Fora que se gasta rápido. Eu perguntaria, no fim do dia, pela última frase, e você não lembraria. E agora seria mais fácil. Agora que sabemos que se aprende sintaxe, ortografia, concordância não para replicá-las, gravar palavras com a linearidade de um gramático. Se pudesse, te diria. E botaria, se quisesse, n antes de p e b, só para adivinhar como a palavra penetra, se um equívoco atrapalha, por não caber. A palavra, nunca a mensagem: onde se supõe uma, pé no chão e dia de semana, há quem veja até dragão. A racionalidade fracassou. Isso, ontem, anteontem, quando aquele primeiro homem da América riscou a pedra. O guia quis fazer daquilo comunicação. E explicava. Em vão: aquilo ali era tempo livre, contemplação. Bonecos se beijando? Vai tentar convencer alguém que tomou um revés do amor que aquilo lá é beijo! Pode não ser. Por isso, se pudesse, te diria. Por escrito, para que visse o desenho da vírgula, sobretudo o da vírgula. Ênfase, modo de dizer, olha aqui, é exatamente isto que quero falar! Ah, entendi, você diria, quer dizer então que… Não, nada a ver, absolutamente. E então eu faria uma releitura e me perderia, já não seria mais aquilo de antes. Imagine isso daqui a dez anos. Se pudesse, diria. Por escrito, se pudesse. Considere as várias possibilidades. Eu não queria mais que duas. Você lê e já são três. Eu releio e já são dez. Não acaba nunca. Se pudesse.

Breno S. Amorim

Petrolina, 10 de maio de 2020.

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